Era uma vez uma gaivota que
gostava de ser pomba. Dizia ela que as gaivotas não servem para nada, ao passo
que as pombas sempre servem para alguma coisa. — Levam cartas, mensagens,
avisos de um lado para o outro — explicava ela às outras gaivotas. — São as
pombas ou os pombos-correios. — Também há quem as cozinhe com ervilhas —
interrompeu-a uma gaivota trocista. — Essa serventia a nós não nos interessa —
arrepiaram-se as outras gaivotas, que voaram, alarmadas. Ficou sozinha a
gaivota que queria ser pomba. Servir de cozinhado também não estava nas suas
ambições, mas à falta de outro préstimo… E pensou: “Gaivota estufada”, “Gaivota
de cabidela”, “Gaivota guisada com batatas”… Realmente, não lhe soava bem. E
menos bem devia saber, porque nunca lhe constara que os humanos, de boca aberta
para todos os gostos, tivessem incluído tais receitas nos seus livros de
cozinha.
A gaivota que queria ser pomba ficou a olhar o mar. Ia abrir as suas
asas para as lançar sobre as ondas, à cata de peixinho para o almoço, quando um
estranho torpor lhe tomou o corpo. Deteve-se. Encolheu-se. Tapou a cabeça com
uma asa. Aquilo havia de passar. As outras gaivotas, que há pouco tinham
debandado, regressavam à praia, apanhadas pelo mesmo entorpecimento que
atingira a gaivota desta história. Estefânia Oliveira & Paula Moura
Formaram um bando tiritante, rente ao mar. Umas, levantadas numa só pata,
outras escondidas numa cova da areia, olhavam as águas esverdinhadas,
espumosas, como turistas descontentes com a paisagem. — Estão as gaivotas em
terra — disse uma voz humana, abrindo uma janela, junto à praia. — Vai haver
tempestade. Sendo assim, já não me arrisco a ir para o mar. De facto, quando as
gaivotas ficam em terra, os pescadores sabem que o tempo vai mudar. Elas é que
dão o sinal. Elas é que sabem. Elas é que pressentem quando a tempestade se
aproxima. “Afinal, sempre tenho alguma utilidade”, pensou a gaivota que queria
ser pomba, toda enrolada numa bola de penas, e, daí em diante, preferiu
continuar a ser gaivota.
António Torrado Adaptado www.historiadodia.pt
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